Perfume: uma equivalência com a teoria do objeto

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

 

Pois bem pessoal, parece que o Nerdshots atravessa uma fase de abstinência de assuntos. O tempo não perdoa e o relógio cada vez mais está governando nossas vidas. Nesse mar de compromissos da vida social, o primeiro prejudicado é o blog – bem como os amados leitores desse aconchegante espaço virtual. Pensando no tempo que faz que eu (Marcos) não escrevo nada por aqui, venho, rapidamente, relatar um devaneio acadêmico que me invadiu enquanto assistia o ótimo filme de 2006: Perfume – A história de um assassino.

Perfume é uma adaptação da obra literária de mesmo nome, escrita por Patrick Süskind, em 1985. A história é sobre Jean-Baptiste Grenouille (interpretado por Ben Whishaw), um homem com um olfato extraordinário, que consegue sentir e discriminar todos os elementos presentes em todos os odores. Tá, a explicação não foi lá das melhores mas, a grosso modo, é isso que se precisa saber.

Certo dia, caminhando pela cidade, Grenouille sente um perfume maravilhoso. Ao procurar a fonte de tão arrebatadora fragrância, descobre que ela sai do corpo de uma vendedora de frutas – era o cheiro dela própria. Fascinado, ele segue a jovem para sentir seu cheiro mais de perto mas, obviamente, seu comportamento é mal interpretado por ela. Ao perceber a aproximação do escravo, a jovem tenta gritar, mas é calada por Grenouille que, não tendo controle sobre sua própria força, acaba asfixiando a mulher. Ao perceber que o cheiro da moça se esvai à medida que ela morre (ooooh!), o protagonista entra em desespero e, desde então, dedica sua vida a descobrir como armazenar o cheiro das coisas. A partir daqui, a placa de SPOILER está ligada com luzes verde-cana piscando. Não continue caso não queira saber do final do filme.

Dando um salto na história, Grenouille torna-se um aprendiz de perfumista e vai à Itália para estudar sobre técnicas de armazenar fragrâncias. De pessoas. Tendo aprendido a técnica, o perfumista seleciona e mata 16 mulheres, cujos perfumes naturais mais lhe agradavam, fabricando um único perfume com uma fragrância divina. Grenouille é preso e condenado à morte. Porém, no dia de sua execução, leva todos a acreditarem na sua inocência passando alumas gotas de sua obra prima sobre si mesmo. Logo depois, espalha a fragrância pelo lugar, com um lenço, deixando a população num misto de transe e frenesi: como que hipnotizados, todos começam a fazer sexo no meio da rua, numa das melhores cenas sodômicas vistas apenas em trechos bíblicos. Grenouille, porém, mesmo constatando o poder que sua arte possui, não se sente pleno, não se sente completo, não se sente amado. E, estranhamente lembra da mulher que matou sem conseguir reter sua essência, sentindo-se vazio por isso.

Bem, aqui começamos a viagem psicanalítica. A teoria do objeto, proposta por Jacques Lacan, introduz um objeto “a” na lógica do desejo humano. O objeto “a” não existe no real e ocupa, no simbólico, o lugar do “vazio”. O objeto “a” também pode ser entendido como “o objeto perdido” – aquele do qual só temos um estilhaço, uma vaga lembrança, que nos faz buscar em vão os outros pedaços para “completar o quebra-cabeças”. Em vão, porque o objeto “a” não existe, lembra? Tentando descomplicar um pouco, o objeto “a”, na psicanálise, é o responsável por aquela sensação de “falta alguma coisa”, por mais que alcancemos nossos objetivos.

Percebi isso no filme, ao ver a última cena que descrevi. Mesmo “satisfeito” com o resultado alcançado pela sua criação (ele não morreu, então podemos considerá-lo bem satisfeito), Grenouille não se sente pleno, completo, amado. Isso porque a fragrância não armazenada da mulher que morreu em seus braços perdeu-se para sempre. Esse perfume seria o objeto “a” de Grenouille, a razão da sua busca; o seu propósito de criar uma fragrância usando a essência de várias mulheres. O protagonista tenta, sem êxito e a todo custo, reviver esse cheiro perdido através dos estilhaços: as 16 essências das moças mortas. Tal postura assemelha-se ao que diz a teoria psicanalítica do objeto: o sujeito busca o gozo pleno – proporcionado pelo inexistente objeto “a” – nos objetos parciais, estilhaços do objeto “a”, sem que este se reduza à união desses vários objetos parciais.

Tá bom. Tá bom. Eu viajei. Mas alguém precisava atualizar isso.

6 comentários:

Anônimo disse...

Me lembrou muitas conversas que tivemos! ^^

E o Ipsilone? uashuahus

Risso disse...

Até que estamos postando com uma certa regularidade, mas essa semana as coisas realmente fiaram corridas para mim e também fiquei esperando atualizações.

Pena que na maioria dos casos só quem comenta aqui somos nós mesmos.

Em todo caso, ainda não assisti o filme e nem cheguei a ler o livro, por isso pulei o spoiler. :D

Anônimo disse...

Achei o livro legal. Apesar de quase dormir em umas partes.
O filme me parece bem fiel...
um dia eu assisto.

Ana Beatriz disse...

Aaah, lindo lindo.
Merecia um artigo.
Sílvia ía amar! xD

=****

Unknown disse...

Heri, o livro é melhor que o filme, mas o filme vale a pena ser assistido. Muito bom. Não é 100% fiel.

Quanto a teoria do post eu tive uma interpretação diferente. Eu acho que a maior decepção dele foi ver que ele podia sentir qualquer perfume na face da terra, menos o dele mesmo. Na minha opnião o foco esta em ele não conseguir sentir o próprio cheiro. Mesmo fazendo um perfume perfeito, as pessoas adoravam o cheiro que ele tinha feito e não o dele mesmo.

Não consegui me expressar bem, mas é isso aí.

Marcos Cordeiro disse...

Eu enxerguei a falta de cheiro dele como uma forma de fazer a falta presente... Contradições psicanalíticas xD